Costuma-se dizer que só vai para a baliza quem não tem jeito para jogar na frente, mas não foi esse o meu caso, apenas fui para a baliza porque era o que tinha mais jeito para defender. Ser guarda-redes tem que se lhe diga pois é sempre o último a ser batido. É o único que não pode falhar. Pode fazer uma dúzia de boas defesas, mas deixou entrar um golo que até podia ter feito mais, a equipa perde o jogo e a culpa é do guarda-redes. Um penalty é um desespero para o guarda-redes se olhar para os lados e ver tanto espaço onde a bola pode entrar. Sentimo-nos pequeninos. Mas quando se defende dá uma satisfação quase como uma vitória. Quando acabo um jogo e não sofri golos sinto como que o dever cumprido. No fim de cada jogo, embora não corra muito sinto-me cansado porque a concentração também cansa e muito. As defesas que eu mais gosto de fazer são aquelas em que o jogador já está a gritar golo e eu no último instante ainda consigo ir lá defender a bola. Há alturas em que me pergunto se vale a pena sofrer tanto para ser um melhor guarda-redes e acabo sempre por dar a mesma resposta: VALE. É o que eu mais gosto de fazer.
Jorge Batista
Guarda-redes do Estoril Praia SAD
Guarda-redes do Estoril Praia SAD
Moreira
"O TAL PENALTY"
Se houvesse segunda série de grandes penalidades, eu estava previsto para aquela que fosse o primeiro ou o segundo penalty, no desempate diante da Inglaterra. E a verdade é que a oportunidade chegou. Era a sétima marcação e a pressão era enorme. O entusiasmo e a ansiedade estavam de braço dado, até porque, momentos antes, tinha acontecido o tal penalty…Vassel era um dos poucos jogadores ingleses a quem eu nunca vira marcar uma grande penalidade. E era ele que o ia fazer. Estava diante de mim. Olhei-o. Disse ao árbitro assistente que ia defender! Fez-se em mim um silêncio divino. Senti-me sozinho sem estar só… pensei que ia ser como eu queria e decidi tirar as luvas. Seria mesmo assim! Olhei o Vassel. Ele, por sua vez, olhava para o árbitro com ar espantado, com o meu tirar as luvas. Acho que isso o confundiu… Deixei de ouvir o que quer que fosse. Silêncio. talvez solidão, porque um guarda-redes, regra geral, é sempre o último a ser batido. Vassel chuta. Eu defendo. E regresso ao mundo real com a explosão colectiva do êxito alcançado. Depois foi a minha vez de chutar. Era o sétimo penalty. Voltei a sentir o silêncio dos grandes e decisivos momentos. Acreditei. Marquei. E seguiu-se nova explosão de alegria. Alegria imensa. Mas a minha alegria era também por causa da alegria que tinha dado a tanta gente. A mesma gente que nunca me deixa estar só na minha solidão de guarda-redes!...
Ricardo
Guarda-redes da Selecção Nacional
Guarda-redes do Olhanense
UM JOGO TERRÍVEL
A solidão de um guarda-redes (que é um facto, no futebol só comparável à do jogador que marca um penalti) é obviamente levada ao paroxismo, nesta peça de Didier kaminka, um autor checo que quis desta forma mostrar até que ponto um homem (no caso, o guarda-redes), judeu e vivendo sob dominação totalitária, pode por isso mesmo ser isolado, marginalizado, praticamente destruído.Na actual versão, não sendo nós, portugueses, um povo historicamente anti-judeu e muito menos dominado hoje em dia por qualquer totalitarismo, essa dominação totalitária de que atrás falei fica pois mais circunscrita à - digamos assim - anedota a peça (o seu pretexto aparente) do que a esses outros pretextos, subjacentes mas claros, da versão original. O totalitarismo está contudo sempre presente, desde o 1º ao 90º minuto do jogo, quando o jogo acaba. Um jogo aliás terrível, até na medida em que não se limita a pôr em campo o totalitário, o concentracionário, mas também as consequências, nas suas vítimas, de ambos, mesmo (aqui) sem antisemitismo nem cortinas de ferro, ou outras, à mistura. Consequências levadas de resto por Didier kaminka a um tal (como disse) paroxismo, e até a um tal non-sense, que bem pode dizer-se a respeito da "Solidão de um guarda-redes" que se trata de um espectáculo absolutamente trágico e cómico porque é efectivamente o que ele é. Nesta versão, com um final de alguma esperança, porém.
António Tavares-Teles
No dia em que fiz a minha primeira defesa fui o miúdo mais feliz do mundo. Foi uma grande defesa, daquelas que ficam muito bem em fotografias, mas que lamentavelmente ninguém apanhou, porque havia pouca gente à volta e o jogo não contava para o totobola. Mas fixei-a na minha memória para sempre como a coisa mais bonita de todas, a mais espectacular, aquela que as televisões não mostraram e que nunca ninguém há-de ver, porque é só minha.
Vive eternamente na minha memória… E esse é um momento que às vezes me acompanha quando a bola anda na área do guarda-redes adversário… E parece que não há nada que fazer.
Mas um guarda-redes nunca está só nem de mãos a abanar…
Acompanha-o, pelo menos, o pensamento, que com a sua força, a sua velocidade, pode ser um bom companheiro - enquanto a bola anda lá longe não dá para fazer contas à vida, mas sempre se pode sonhar com a grande defesa que ainda não se fez nesse jogo e que, se calhar, vai ser na jogada seguinte… Oxalá!
Mas o pensamento torna-se, no entanto, um inimigo feroz quando dá lugar ao sonho. É quase proibido sonhar na baliza; sonhar acordado é bom.
Na baliza pode tornar-se o mais horrível dos pesadelos…
Diz o poeta que o sonho comanda a vida, mas um guarda-redes está proibido de sonhar durante um jogo. Porque se o fizer, arrisca-se a ver a bola passar… É assim que às vezes nascem os inimigos dos guarda-redes, os frangos. E aí, sim, a solidão é tremenda.
Porque na hora de um mau momento, mesmo que da bancada venham palmas, ainda que os colegas sejam solidários, como são normalmente, e nos batam nas costas, ainda que o treinador tenha uma palavra de conforto, a solidão bate mais forte do que a bola no fundo da baliza.
É incrível este paradoxo: estar só no meio de tanta gente.
Por mim, prefiro lembrar-me dos melhores momentos, daqueles em que ouço as palmas porque fiz as coisas bem.
Como no dia em que fiz aquela minha primeira defesa, que é só minha, que os fotógrafos não apanharam e as televisões não mostraram porque não estavam lá. É assim que consigo dar algumas goleadas à solidão.
Vítor Baía
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