“Ser guarda-redes é um dos trabalhos mais solitários que existe. Todas as grandes defesas da história juntas não conseguem compensar um simples erro num momento vital.” (Albert Camus, escritor e filósofo franco-argelino). Por definição, uma antítese é uma figura de estilo que consiste na exposição de ideias opostas. O futebol, na sua essência, vive do golo, da festa do golo, dos hat-tricks, das jogadas de perigo, dos cabeceamentos, remates, assistências para golo. Ora, o guarda-redes é exactamente a ideia oposta do golo, serve para impedi-lo, para impedir a festa, para travar o remate, para ser o contraponto da magia do golo, está lá para ser o único jogador da equipa que irá trabalhar para manter um zero no marcador. Para além disso, o guarda-redes tem o papel mais ingrato em campo.Um ponta de lança pode falhar dez golos num jogo, mas caso marque um grande golo ganha o seu lugar na história. Ao guarda-redes pelo contrário está reservado o papel inverso, pois contrariamente ao avançado pode ser eficaz dez vezes e nada disso contar para a história do jogo caso cometa um “frango”, caso não pare aquela bola, aquele cabeceamento que qualquer um defenderia, o remate fraquinho, o livre à figura que acabou por entrar. Não se ficam por aqui as contradições.O guarda-redes ao contrário dos restantes pode usar as mãos, tem um equipamento diferente dos restantes companheiros, e até a relva desaparece junto à baliza, contrariamente ao resto do campo. E as negações continuam, já que previsivelmente nenhum guarda-redes irá ganhar a Bola de Ouro, ao guarda-redes não se pede para correr e ao suplente muitas vezes não é dada sequer uma oportunidade durante um ano inteiro. Apesar disso na história figuram guarda-redes para todos os gostos. Os frios, os loucos, os seguros, os inseguros e com alto grau de raridade os que marcam golos. Mas o contra-senso maior é ficar na história e ser recordado não pelas grandes defesas, mas por um golo sofrido. Lembrando o que disse Albert Camus, três nomes saltam á vista.
1. Barbosa : o brasileiro Moacir Barbosa Nascimento foi um dos melhores da sua época. Apesar disso, Barbosa ficou para sempre ligado ao golo sofrido no dia 16 de Julho de 1950, no Mundial de Futebol disputado precisamente no Brasil. Naquela altura as regras do Mundial eram diferentes, o Mundial de 1950 marcava o regresso da competição depois de 12 de interrupção devido à Segunda Guerra Mundial e nesse dia mais de 200 mil pessoas enchiam o Maracanã. Ao Brasil um empate bastava para conquistar o ceptro, já o Uruguai precisava de ganhar, e nem uma pessoa das tais 200 mil acreditava que o Brasil podia perder. Até Jules Rimet preparou um discurso antes no jogo com base na certeza da vitória do Brasil, que antes goleara equipas como a Suécia e a Espanha. E eis que chega o momento que marca a história, com o jogo empatado a uma bola. O uruguaio Alcides Ghiggia aparece pelo lado direito da área brasileira e, apesar de ter ângulo muito apertado, remata. Moacir Barbosa, o guarda-redes em quem todos confiavam, lança-se à bola, junto ao seu poste esquerdo, mas é incapaz de a defender. Golo. Uruguai na frente a caminho do seu segundo título mundial. O que se seguiu foi o silêncio de 200.000 pessoas. Ghiggia diria mas tarde que queria cruzar para Pepe Schiaffino como no primeiro golo, mas o centro saiu mal, e entrou na baliza. Barbosa foi crucificado, esquecido pelos brasileiros, sofrendo a maior humilhação quando foi impedido de entrar no hotel da selecção do Brasil antes o Mundial de 1994 para não dar azar Terá dito então que “ A pena máxima no Brasil é de 30 anos, mas pago há 44 por um crime que não cometi ”.
2. Dasayev: Naquele ano de 1988 o mapa da Europa era muito diferente de hoje. O Europeu de 88 jogava-se na Republica Federal da Alemanha e á final de Berlim chegavam a Holanda e União Soviética, composta mairitariamente por jogadores ucranianos do Dinamo de Kiev, com destaque para o melhor jogador europeu desse ano, Igor Belanov. Já a Holanda apresentava um misto de jogadores o Ajax e do PSV Eindhoven, que tinha ganho a Taça dos Clubes Campeões Europeus, também na Alemanha, em Estugarda, frente ao SL Benfica. Para muitos Rinat Dasayev era o digno sucessor do melhor guarda redes de sempre, a aranha negra Lev Yashin. As suas principais qualidades eram a impulsão, reflexos e a agilidade. Dasaev quase que desrespeitava as leis da Física em algumas das suas defesas. Como por vezes se costuma dizer, era um daqueles guarda-redes que davam pontos.
O seu momento de glória poderia ter sido sem dúvida o Euro 88, mas no caminho de Dasayev atravessou-se outro mito: Marco Van Basten, o “Cisne de Utrecht”, cujo remate de um ângulo que todos pensaram ser impossível não poderia ser detido por ninguém. Foi como a seta que derrotou Aquiles no único sítio possível, o calcanhar. Se Dasayev poderia ter feito mais, não sei. Mas o grande momento do Euro 88 que ficará na história é o golo que Van Basten marcou a… Dasayev.
3. Carlos: Outro brasileiro também num mundial, sofreu um golo inusitado, mas que ao contrário dos outros dois que falámos, não teve influência no resultado final. Carlos Roberto Gallo era o dono da baliza do Brasil em 1982, antes do Mundial em Espanha, mas uma lesão de última hora fê-lo perder a titulariedade para Waldir Peres e Paulo Sérgio. Em 1986, no Mundial do México, chegou a sua hora. Carlos, na altura com 30 anos, era o “goleiro” de uma selecção que continha alguns nomes que passaram depois por Portugal, como o defesa esquerdo Branco, que jogou no FC Porto, ou o médio defensivo Elzo, que jogou a final da Taça dos Campeões pelo SL Benfica contra o PSV Eindhoven.
Jogava-se então os quartos de final do Mundial do México., no dia 21 de Junho de 1986 Nesse jogo, Careca colocou o Brasil em vantagem, mas Michel Platini, o famoso camisola 10 da selecção francesa empatou. O jogo permaneceu empatado no final do prolongamento, e chegamos então ao famoso desempate por grandes penalidades. O jogador francês Bellone assume a marcação do terceiro penalty da sua equipa. O jogador chutou ao poste, Carlos adivinhou o lado mas a bola resaltou do poste para as costas de Carlos e… entrou. O golo foi validado pelo árbitro romeno Ion Igna. Carlos diria em sua defesa que esse lançe não foi decisivo, e de facto também Zico (durante o jogo), Sócrates, Platini e Julio César falharam penalties. Mas quem era o guarda-redes? Carlos, pois claro! Seria o último jogo pelo Brasil de Carlos. Ficou ainda conhecido por ser um “pé frio” já que em mais de 20 anos de jogador profissional nunca ganhou qualquer título na baliza. No único título do seu curriculum fazia parte da equipa titular do Corinthians em 1988 que liderava o campeonato paulista mas a alguns jogos da decisão do campeonato, Carlos lesiona-se e quem assume a baliza é Ronaldo, que entra para história como o guarda-redes que conquistou o título.
(Avançe até aos 3m e 47 segundos para ver o penalty de Bellone)
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